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Narrativas imersivas: imagens 360º no ensino de Humanidades

Professores e estudantes podem criar juntos projetos imersivos. Isso já é realidade (virtual).


Por Viviane Toraci*


Print do Google Earth da área onde fica o ImageH/MultiHLab

Usamos as imagens para contar histórias, transmitir ideias, comunicar sentimentos, compartilhar conhecimentos. Não queremos aqui disputar quem tem mais poder de expressão: escrita, imagens, oralidade. Cada linguagem atende a diferentes finalidades e sua combinação enriquece os diálogos. Apesar de partirmos desse pressuposto, o nosso papel aqui é defender a validade das diversas relações que podemos ter com as imagens, e uma delas pode ser o uso em narrativas imersivas.


Antes da escrita, os humanos usaram principalmente imagens para registrar ideias, sentimentos, desejos. Há interpretações de que as pinturas nas cavernas fariam parte de rituais místicos: ao pintar um caçador matando sua presa, desejava-se uma boa caçada. Mas podemos pensar também que seriam registros do cotidiano. Avançando para anos cristãos, os vitrais nas igrejas católicas contam a história de Cristo e de santos. Fiéis iletrados compreendem a mensagem.


Dessas formas de narrar, teriam surgido as histórias em quadrinhos. E a partir da lógica de sequência de imagens, o storyboard e a produção audiovisual. Agora, avançamos para narrativas imersivas. Pois é, nada se perde, tudo se transforma. O que permanece igual é a nossa vontade de contar histórias, e estamos sofisticando cada vez mais as formas de fazer isso.


Como seriam então essas narrativas imersivas? Uma primeira característica seria a possibilidade de contar a nossa história utilizando imagens imersivas captadas com câmeras 360º, dando a impressão ao leitor/interator de estar dentro do ambiente retratado e poder interagir com a imagem, construindo assim cenários virtuais. Um ambiente de Realidade Virtual pode ser totalmente construído por programação (como em alguns jogos eletrônicos), ou podemos captar imagens em 360º, como as usadas pelo Google Earth. Nessa plataforma, o interator pode manipular a imagem se distanciando e se aproximando, caminhando no ambiente, olhando em todas as direções.


Com as tecnologias imersivas, estamos desenvolvendo outras formas de apresentar digitalmente informações, formas que já povoavam nossa imaginação mas não integravam nosso cotidiano até os primeiros anos do século XXI. O último texto publicado aqui por Guilherme Falcão – Criação de mundos virtuais nos faz refletir sobre imaginação e realidades – trouxe o tema da realidade virtual, em voga na mídia devido ao anúncio dos investimentos previstos pela Meta (antiga Facebook).

Print do Google Earth do Museu de Quadrinhos de Bruxelas. É possível "caminhar" pelo museu usando a mesma tecnologia do Google Street View

Na obra Hamlet no Holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço, Janet Murray (2003) imaginava o cinema interativo e a ficção de hipertexto, meios que exigiriam a criação não somente do texto da história, mas também de procedimentos que levariam o interator a usufruir de imersão, agência e transformação. Por imersão podemos entender a sensação de estarmos envolvidos por uma realidade diferente, que se apodera de toda a nossa atenção, de todo o nosso sistema sensorial. Agência seria a capacidade gratificante de realizar ações significativas e ver os resultados de nossas decisões e escolhas. E, por fim, o poder de transformação do digital, que oferece incontáveis maneiras para mudanças de formas.


Para pensar narrativas com essas três características, a autoria passaria a ser procedimental: deve-se escrever as regras pelas quais os textos aparecem tanto quanto escrever os próprios textos. “Significa escrever as regras para o envolvimento do interator, isto é, as condições sob as quais as coisas acontecerão em resposta às ações dos participantes. Significa estabelecer as propriedades dos objetos e dos potenciais objetos no mundo virtual, bem como as fórmulas de como eles se relacionarão uns com os outros” (MURRAY, 2003, p. 149).


Recentemente eu fiz uma visita online a um projeto produzido por um professor da educação básica com uso do Google Earth. Na plataforma, podemos associar locais georreferenciados a textos e fotografias e contar uma história a partir da visita virtual a esses locais. Na verdade, é o que fez o Museu dos Quadrinhos e diversos outros estabelecimentos interessados em se divulgarem na rede. A diferença aqui é que o professor construiu com os alunos um projeto no Google Earth para narrar as origens do Halloween. A associação entre elementos geográficos, históricos, tecnologias de imersão e recursos online trazem para a nossa realidade em 2021 o que Janet Murray falava no início deste século.


É impactante perceber as potencialidades educativas das narrativas imersivas. Atividades colaborativas em ambientes virtuais poderão fomentar a construção de aulas com potencialidades imersivas, agenciadoras e transformadoras. Afinal, nós professores também somos excelentes autores e estamos caminhando para autorias coletivas e procedimentais.


Ressalto aqui a ideia de “coletiva”, ou seja, não proponho que os professores preparem em seu pouco tempo de planejamento de aula um projeto imersivo, mas que desenvolvam junto com os alunos uma narrativa imersiva, criando os procedimentos que levarão o interator a se sentir dentro da história, envolvendo assim, por meio da produção de imagens em 360º, diferentes caminhos para acesso à narrativa, a pontos de vista de acordo com o personagem que está sendo “seguido” ou ao local virtual em que se encontra. Enfim, narrativas imersivas não são lineares — como livros e filmes — mas são hipertextuais: cada um faz seu próprio caminho, mas dentro de um universo ficcional construído pelos autores.


Para construir narrativas imersivas, poderemos mobilizar conhecimentos do campo das linguagens que remontam aos vitrais, às histórias em quadrinhos e aos jogos eletrônicos para enfim chegar às narrativas hipertextuais. No campo das ciências humanas, técnicas de pesquisa documental, georreferenciamento, produção de dados, redação científica. Essa é uma das grandes vantagens dos ambientes digitais online e da capacidade humana de gerar e acumular conhecimentos: tudo está conectado!


Esse movimento de interesse e pesquisa em torno das tecnologias imersivas está acontecendo no multiHlab desde 2020. Estamos explorando a produção de vídeos em 360º, as atividades com uso de óculos de realidade virtual, a construção de narrativas imersivas capazes de estimular a curiosidade e a produção de conhecimentos a partir de teorias, conceitos e temas trabalhados pelas ciências sociais na escola. Mas nós ainda estamos explorando, aprendendo, criando… para então trazer aqui para vocês algumas propostas. Acho que em breve teremos novidades.


*Viviane Toraci é pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco, professora do ProfSocio e coordenadora do multiHlab - Laboratório Multisuários em Humanidades.


 

Para citar esse texto:


TORACI, Viviane. Narrativas imersivas: imagens 360º no ensino de Humanidades. ImageH, 2021. Disponível em: https://imagehmultihlab.wixsite.com/humanidades.

 

Para saber mais:


MURRAY, Janet. Hamlet no Holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço. São Paulo, Editora Unesp, 2003.

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