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3 livros para estudar imagens e histórias da beleza negra. Parte I.

Publicações de três pesquisadoras revelam imagens e histórias que nos ajudam a compreender as construções sociais da beleza negra e a pensar como o racismo também se propagou nas representações estéticas e na indústria cosmética


Por Cibele Barbosa*


Como construção social, percepções sobre a beleza têm histórias atravessadas por representações de raça, de gênero e de classe, entre outras. A definição de beleza e seu significado nas relações sociais sofreram mudanças significativas ao longo do tempo. Especificamente, a percepção sobre os corpos considerados como belos está atrelada a modelos culturalmente produzidos e imersa em condicionantes sociais. Uma opinião sobre a beleza de alguém, por mais pessoal que seja, ou até sobre si mesmo, é produzida conforme valores sociais compartilhados e, portanto, passíveis de serem mudados e transformados.

As imagens relacionadas à beleza forjaram opções, gostos e discursos sobre os corpos. No caso específico da beleza negra nas sociedades afrodiaspóricas — como a brasileira, por exemplo —, ela esteve indubitavelmente informada por imagens de cunho racista de um lado e por imagens de resistência, de outro.


Nesse sentido, pensar uma história da beleza por meio da chave das construções raciais é uma das vias para compreender o papel do visual como meio de ancorar estereótipos e preconceitos de modo mais amplo. Da mesma forma, também pode servir como via privilegiada para desconstruí-los.


Essa desconstrução, porém, requer que saibamos sobre suas origens, de modo a desnaturalizá-las. Perceber que são construções datadas permite-nos melhor questioná-las, criticá-las, e, assim, conseguirmos nos libertar delas. Uma educação antirracista passa inevitavelmente por um estudo acerca das construções do racismo (e a da beleza é uma delas) para evidenciar e criticar seus mitos, suas inadequações e suas violências.


Isso posto, pesquisadoras têm se dedicado nos últimos anos a estudar os discursos e as práticas voltadas para a construção social da beleza negra. Em seus trabalhos, trataram de observar historicamente como brancos e negros se posicionaram e deram sentidos aos corpos negros, e como esses corpos foram representados e impactaram na valorização ou desvalorização da negritude.


Certamente, o viés de gênero está presente no imaginário social da beleza negra. Um dos primeiros trabalhos a abordar as questões de raça e de gênero na primeira metade do século XX foi a pesquisadora Maria Aparecida Lopes.


Maria Aparecida de Oliveira Lopes - Beleza e ascensão social na imprensa negra paulistana: 1920-1940. Editora DP & A

Em seu livro Beleza e Ascenção social na imprensa negra paulistana (1920-1940), Lopes analisa jornais editados por negros em São Paulo, como Clarim d´Alvorada e A voz da raça. Seu objetivo foi entender como idealizações sobre o corpo foram incorporadas por grupos negros como forma de ascensão social. Como afirma a autora, “o estudo objetiva analisar a relação que o negro estabelecia com a sociedade através da escolha de um tipo de padrão de beleza.”


A análise desse material e das imagens produzidas nos jornais evidencia a violência simbólica dos padrões de branqueamento e a imposição social de modelos de vestimenta europeia. Ao observar os jornais, a autora mostra que muitos homens e mulheres negras, para se excluírem das ridicularizações impostas pela sociedade racista, buscavam “igualar-se corporalmente aos brancos”. Conhecer essa história é um elemento-chave para entendermos as violências sobre as representações do corpo negro impostas por um padrão de brancura e a importância que o corpo representou nas décadas seguintes como lócus de afirmação negra e de resistência a esses padrões.


Amanda Braga - Historia da beleza negra no Brasil: discursos, corpos e práticas. Editora Edufscar

Amanda Braga em seu História da beleza negra no Brasil, descreve de forma mais ampla as mudanças de representações sobre o corpo negro, em especial o da mulher negra. Nas palavras da própria autora, ela faz uma “viagem pela história do Brasil” por meio da análise de fotografias, pinturas, gravuras, peças publicitárias, charges, imagens e textos publicados na imprensa.


Desse conjunto de fontes, Amanda tentou mapear as principais representações e imaginários sobre corpos negros desde o século XVIII até os dias atuais. Para tanto, ela destacou a história da Vênus negra no século XIX, a sexualização dos corpos das mulheres de cor e visitou anúncios de jornais brasileiros, incluindo os da imprensa negra no início do século XX — assim como também o fez Maria Aparecida Lopes.


Amanda, porém, segue para os anos 1940 discorrendo sobre o Teatro Experimental do Negro e os concursos de beleza da Revista Quilombo. Também analisa a construção social da imagem da “mulata” e as questões relacionadas ao racismo.


O interessante a ser observado é o diálogo que a autora estabelece entre as representações sobre o corpo negro em décadas anteriores e a chegada dos anos 2000. Ao observar revistas como Raça, em 2006, a autora mostra as ambivalências entre a afirmação da estética, da pele e do cabelo negros, e, ao mesmo tempo, a persistência de padrões de brancura — o que revela a complexidade do tema naqueles idos dos anos 2000.

Reunindo abordagens da semiótica e da análise do discurso, a autora oferece uma farta documentação imagética: da página 129 à 176, as imagens apresentadas constituem uma narrativa visual dos modelos de beleza, das apropriações, das mudanças, das desconstruções, das rupturas e até mesmo das reativações de padrões de representação e percepção da beleza negra.


Giovana Xavier - História social da beleza negra. Editora Rosa dos Tempos

Em uma publicação recente, Giovana Xavier elabora uma análise transnacional sobre a indústria cosmética voltada para mulheres negras nos EUA. Em seu livro História social da beleza negra, a autora faz um estudo da imprensa negra norte-americana na virada do século XIX para o XX, aos moldes do que Lopes fez com a imprensa negra paulistana.


Assim como Braga,Giovana apresenta uma gama generosa de imagens de época, extraídas em acervos nos Estados Unidos, e elabora um retrato detalhado de como os padrões de brancura também pressionaram populações negras a utilizarem fórmulas cosméticas para se inserirem em uma sociedade que as excluía em múltiplos aspectos.A autora mostra como cremes branqueadores foram vendidos e consumidos por uma população que sofria na pele a estigmatização da cor. Em uma sociedade, como definida por Xavier, marcada por uma pigmentocracia, na qual a pele mais clara estava relacionada à modernidade e à beleza, a população negra foi, naquele período histórico, estimulada a adotar cremes e cosméticos de alisamento do cabelo e de branqueamento da pele como meios de adquirir mobilidade social.


Quem pensa que é um livro que trata apenas dos afro-americanos se engana. No epílogo, Giovana tece “ fios”(como ela mesma descreve) com o Brasil, onde também um “ sistema colorista criava hierarquias de beleza”. Também, ao longo do seu livro, Giovana destaca que,


Nos dois países, a cosmética negra teve papel importante nos debates sobre reconstrução da feminilidade negra e também na criação de um sistema colorista que criava hierarquias de beleza e oportunidades dentro da comunidade negra. Oportunidades estas baseadas na aparência clara ou escura, no cabelo crespo ou liso, nas feições finas ou grossas, dentro de um modelo de beleza cívica criado e sustentado como um caminho alternativo de luta contra o racismo, bem mais complexo que o desejo puro e simples de se tornar branco.

O trabalho de Giovana revela o quanto as violências físicas e simbólicas imputadas às populações negras, tanto no Brasil quanto nos EUA, já há algumas décadas, estiveram ancoradas nas representações do corpo negro e em como essas populações se utilizaram dos recursos que tinham às mãos e das estratégias possíveis, bem como dos sacrifícios empregados para se integrarem e conquistarem espaços sociais em uma sociedade marcadamente racista.


De modo geral, ao se aprofundarem em situações históricas, as três obras fornecem subsídios poderosos para avaliarmos a proporção e a extensão do racismo ao longo do tempo. Para os dias atuais, esses estudos nos habilitam a pensar o quanto a afirmação de belezas desvinculadas dos modelos de brancura, como a valorização do cabelo crespo e da pele escura, como bem aponta Nilma Lino Gomes (em um livro que trataremos em outro post), são essenciais para as lutas e a educação antirracistas.


*Cibele Barbosa é pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco, professora do Profsocio e coordenadora do projeto imageH.

 

Para citar esse texto:


BARBOSA, Cibele. 3 livros para estudar imagens e histórias da beleza negra. Parte I. ImageH, 2021. Disponível em: https://imagehmultihlab.wixsite.com/humanidades.

 

Para saber mais:


BRAGA, Amanda. Historia da beleza negra no Brasil: discursos, corpos e práticas. Editora Edufscar, 2015


LINO GOMES, Nilma. Sem perder a raiz: corpo e cabelo como símbolos da identidade negra. Editora Autêntica, 2019.


OLIVEIRA LOPES, Maria Aparecida de. Beleza e ascensão social na imprensa negra paulistana: 1920-1940. Editora DP & A


XAVIER, Giovana. História social da beleza negra. Editora Rosa dos Tempos, 2021


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