O turbulento período de consolidação da Independência do Brasil foi marcado não apenas por fatos e feitos políticos, mas por revoltas e manifestações em que questões sociais e raciais despontaram em várias partes do Brasil. Uma delas, ainda pouco conhecida nos manuais escolares, é a chamada Pedrosada, revolta de negros libertos e escravizados comandados pelo capitão Pedro da Silva Pedroso que, em fevereiro de 1823, tornou-se " senhor do Recife".
Em 1º de fevereiro de 1823, o capitão de armas do Recife, Pedro da Silva Pedroso, descrito por alguns cronistas como um homem negro, toma o poder na capital de Pernambuco e ocupa o palácio do governo. Pedroso, que havia lutado na chamada Revolução de 1817, ocupava um cargo de prestígio como militar e liderou uma revolta de pessoas negras, entre os quais soldados, marinheiros, trabalhadores das docas, pequenos comerciantes, libertos e escravizados Segundo o historiador Clóvis Moura, esse talvez tenha sido feito único na história do Brasil. Para outros historiadores, trata-se de uma das mais importantes manifestações de “pretos e pardos” em uma grande cidade naquele tempo.
Frei Caneca escreveu, na época, que havia visto Pedroso cercado de homens e mulheres negros e que este dissera: “sempre estimei esta cor, é a minha gente". Essa consciência de cor é um dado importante: Pedroso fazia parte de uma elite militar que atuava para senhores locais. Mesmo se aliando a estes, tanto em 1817, quanto no golpe que tirou o governador Gervário Pires do poder, a revolta liderada por Pedroso evidencia um entendimento de que, por mais que tivesse apoiado ações militares e políticas das oligarquias locais, sabia que nunca seria considerado como um deles. Inclusive, Pedroso recebia metade do soldo de um comandante de armas branco. Essa percepção da diferença e a decisão de liderar a população negra do Recife contra esses senhores locais e comerciantes portugueses é uma história que merece ser contada posto que muitos ainda não a conhecem.
Testemunha ocular de 1817, o viajante Tollenare afirmou que se não fosse a firmeza de Pedro Pedroso, tomando a ponte do Recife, defendida por marinheiros imperiais, a revolta não teria vingado. Gilberto Freyre afirma que o movimento arregimentou a maioria dos negros do Recife. Nas ruas, segundo Pereira da Costa, a população amotinada cantava:
“Marinheiros e caiados
todos vão se acabar
Porque só pardos e pretos
o Brasil hão de habitar"
Pedroso gerou grande temor nas elites brancas da época. Primeiramente, em razão da Revolução do Haiti, na ilha de São Domingos, liderada por negros escravizados e libertos, entre 1791 e 1804. Os rumores da libertação de São Domingos deixavam em pânico senhores de escravos que, possivelmente, viam em Pedroso uma tentativa de reproduzir o que ocorrera no Haiti.
Nos poucos dias em que Pedroso foi “senhor do Recife”, quilombolas presos foram soltos, europeus que viviam no Recife foram presos. A reação dos senhores de engenho, sediados na Vila do Cabo, não tardou: Francisco Paes Barreto juntou um corpo de soldados e marchou sobre o Recife. Pedroso foi preso e enviado ao Rio de Janeiro.
Na busca por oferecer um rosto e esta história da Pedrosada, ou mesmo para tornar visível a sua história na contemporaneidade, algumas poucas iniciativas ilustrativas foram realizadas. Elas se basearam em escritos de historiadores e relatos de época que o descreviam como pardo, com cavanhaque, uniforme militar, e que aparecia mormente à cavalo pelas ruas do Recife. Uma das ilustrações foi elaborada para a obra Pernambuco – histórias e personagens (Cepe) e outra foi produzida para um blog do Diário de Pernambuco.
*Cibele Barbosa é pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco, professora do ProfSocio e coordenadora do imageH.
Para citar esse texto:
BARBOSA, Cibele. Um líder negro toma o Recife: Pedro Pedroso nos tempos da Independência. ImageH, 2022. Disponível em: https://imagehmultihlab.wixsite.com/humanidades
Para saber mais:
CARVALHO, Marcus J. M. de. “O Outro Lado Da Independência: Quilombolas, Negros e Pardos Em Pernambuco (Brazil), 1817-23.” Luso-Brazilian Review, vol. 43, no. 1, 2006, pp. 1–30.
MOURA, Clóvis; MOURA, Soraya Silva. Dicionário da escravidão negra no Brasil. Editora, EdUSP, 2004.
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