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Quais imagens de indígenas temos nos livros didáticos de História?

Representações visuais dos povos indígenas ficaram mais recorrentes nos livros didáticos da disciplina a partir da promulgação da Lei 11.645/08. Mas será que essas imagens rompem, de fato, com os estereótipos produzidos por narrativas historiográficas ultrapassadas?




Por Igor Ruann

Os livros didáticos, principais materiais pedagógicos utilizados nas escolas brasileiras, são artefatos que permeiam a construção de identidades e subjetividades. Suas imagens (charges, fotografias, quadros, etc) são capazes de legitimar discursos historiográficos, além de interesses de grupos econômicos e políticos. Por isso, a análise crítica em sala de aula e a investigação, pelo professor, de como os alunos se relacionam com essas representações visuais, são práticas necessárias no ambiente escolar.

Caso sejam tratadas, no material, como mera ilustração da temática, as imagens podem perpetuar ideias que privilegiam a manutenção do status quo. Hoje em dia, sobretudo, na sociedade visual em que vivemos, devemos ter o devido cuidado com a imagética apresentada nos livros didáticos, pois ela está envolvida em uma cadeia de interesses que costuma ser nociva para o desenvolvimento cidadão dos alunos.

Conteúdos ligados a figuras desprivilegiadas na balança das relações de poder, como os indígenas, são historicamente carregados de estereótipos nos manuais didáticos. Nesse sentido, as leis 10.639/03 e 11.645/08 representam um grande avanço em relação à inserção da história e cultura africana, afro-brasileira e indígena no ensino básico. Essas legislações fundamentam a possibilidade de construir uma educação mais democrática ao promover o respeito à diversidade das matrizes étnico-raciais do nosso povo. É uma porta que se abre para que os jovens em formação conheçam outros modos de pensar, agir e sentir além dos padrões ocidentais nos quais é baseado o nosso sistema educacional. A partir disso, são fortalecidas as identidades de pessoas pretas e indígenas, além das heranças culturais dessas populações que formam a nossa identidade enquanto nação; desconstruindo, assim, a falsa ideia de democracia racial que se estabelece no Brasil.

Nos livros didáticos, as leis ajudaram a promover uma reflexão crítica sobre os estereótipos racistas que fazem parte da narrativa hegemônica sobre a nação brasileira. Passou-se a trazer conteúdos que ressaltam a importância dos negros e indígenas na formação cultural e social do país e nos seus processos históricos. Com isso, personagens negros e indígenas passaram a ser abordados com protagonismo em várias situações onde predominavam somente as ações dos homens brancos. Isso ajuda a desfazer a ideia de inferioridade e atraso por muito tempo vinculada aos indígenas e negros.

Dessa forma, o material didático consegue auxiliar na introdução de temáticas étnico-raciais que por muito tempo foram pouco presentes no universo escolar, promovendo reparações e reconhecimentos. Contudo, muitos assuntos relativos à diversidade étnico-racial ainda são deixados de fora ou abordados de maneira superficial.


A série “História, Sociedade e Cidadania”, de Alfredo Boulos, Editora FTD (2020), aprovada no Programa Nacional do Livro Didático, aborda, em seu volume voltado para o 8º Ano, a História do Brasil desde a chegada da família real portuguesa até a abolição da escravidão. O único conteúdo relativo aos indígenas está no capítulo deste último assunto, chamado “Abolição, imigração e Indigenismo no Império”. Os indígenas são abordados em apenas duas páginas no fim do capítulo, quase como um apêndice. Os imigrantes do período colonial, por exemplo, têm muito mais destaque. As nacionalidades são diferenciadas e conta-se um pouco sobre a jornada de cada uma delas aqui no Brasil. Ou seja, eles não são tratados de forma homogeneizada como “imigrantes europeus”, mas sim como italianos, poloneses, alemães, etc.


Logo nas páginas seguintes, o livro aborda o Romantismo como movimento que exaltou o indígena como importante elemento da identidade nacional, sem ainda contextualizar que as imagens e narrativas trazidas pelo Romantismo exaltavam a ideia do “índio morto”, ou seja, localizam o indígena como personagem nacional do passado. Uma imagem de “Iracema”, produzida no início do século XX, portanto condizente com os ideais do Romantismo, é reproduzida apenas a título de ilustração, sem que se faça uma leitura contextual e crítica dessa imagem no próprio material, o que acaba ficando a cargo dos docentes.

Extraído do livro "História, Sociedade e Cidadania 8", de Alfredo Boulos, Editora FTD (2020), página 218

Porém, algumas páginas a seguir, é elaborado um contraponto numa seção chamada “Vozes do Presente” que traz um texto de 2002 com o título “Excluído na vida real e idealizado na literatura”. Essa perspectiva aborda, entre outras coisas, as designações de “índio manso” e "índio bravo” correntes no período imperial.


Extraído do livro "História, Sociedade e Cidadania 8", de Alfredo Boulos, Editora FTD (2020), página 222

Ou seja, a abordagem propõe uma desconstrução de estereótipos indígenas, mas ainda carente de maior profundidade. Não se aborda os povos indígenas na atualidade e não se propõe a desconstrução da ideia de “identidade indígena” criada a partir de uma certa indumentária. As imagens apresentadas podem, inclusive, reforçar isso. Enfim, muitos assuntos relativos à diversidade étnico-racial indígena ainda são deixados de fora dos nossos livros didáticos, como a pluralidade de línguas e etnias encontradas no Brasil, o que acaba reforçando uma visão homogênea sobre essa população. Assim, buscar outros materiais visuais mais conectados com as pesquisas e estudos recentes, em consonância com a perspectiva produzida a partir das narrativas indígenas, é essencial para a prática didática. Deixo como sugestão as obras dos realizadores indígenas Cruupyhre Akroá Gamella e Ziel Karapotó.



*Igor Ruann é estudante de Licenciatura em História, pesquisador de Iniciação Científica (Pibic Voluntário/Fundaj) e integra a equipe do imageH.


 

Para citar esse texto:


RUANN, Igor. Quais imagens de indígenas temos nos livros didáticos de História? ImageH, 2022. Disponível em: https://imagehmultihlab.wixsite.com/humanidades

 

Para saber mais:


Para saber mais: SILVA, Isaíde Bandeira da. Et al. A lei 11.645/2008 e a questão indígena nos livros didáticos. IN: Educativa, Goiânia, v. 20, n. 3, p. 691-716, set./dez. 2017





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