A manifestação artística condensa na pixação um movimento crítico entre protesto e lazer. Ao dirigir o documentário Pixo, João Wainer nos convida a perceber quais símbolos e significados atravessam a arte de alguns pixadores na cidade de São Paulo.
Por Mariana Gomes*
Se expressão artística, de um lado, se ato criminoso, de outro, a pixação é considerado por alguns dos pixadores entrevistados por João Wainer, como um ato proibido e criminalizado. É dessa interpretação que conota o sentido da existência da pixação, pois ela revela aqueles e aquelas que a sociedade invizibiliza no seu processo de desigualdade social.
Nas palavras do fotógrafo Choque: “A pixação de São Paulo é uma comunicação fechada, é da pixação para a pixação. Na verdade, ela não se comunica com a sociedade, ela é uma agressão, é feita para agredir a sociedade”. O fotógrafo se pergunta que sociedade é essa, ou melhor, quem somos nós enquanto sociedade que formamos uma geração de jovens que precisa se expressar através da destruição.
Os questionamentos levantados não se separam da reflexão do que acontece na maior cidade da América do Sul. São Paulo é símbolo de uma metrópole cinza, representada pelo concreto e pelo processo visceral de sua verticalização.
O alto dos edifícios é a folha espacial que preenche o processo artístico composto de adrenalina, criatividade e originalidade. Desde a construção de suas assinaturas, as festas e a competitividade, os pixadores e pixadoras carregam uma gama de significados que oferecem uma percepção própria para conceber o pixo enquanto arte.
Os estigmas de ser considerado rabisco, bagunça, perturbação, sujeira, poluição visual na cidade, contribuem para esconder uma de suas origens: a pixação de cunho político. No auge da ditadura militar, os muros e carros da cidade ganharam letras que contrariavam a repressão. Sem uma preocupação estética entre as letras e a escrita, o importante era sua legibilidade para todas(os) aquelas(es) que fossem alfabetizadas. Nesse momento a pixação representava um grito que se comunicava com a sociedade.
Com o passar do tempo, a pixação se desdobrou em formas estéticas, encontrando sua representação poética, caminhando pela influência do movimento punk,inspirando-se nas logomarcas presentes nas letras estampadas das capas de álbuns de bandas de Rock e das Runas anglo-saxônicas. São elementos que serviram de estímulo à estética que hoje encontramos nos pixos da cidade de São Paulo.
O caminho trilhado em seu processo histórico, bem como sua relação com o lazer e a manifestação política de jovens que preenchem esse espaço urbano, são elementos que necessitam ser discutidos e abordados em sala de aula. Afinal, por qual viés nossas(os) estudantes leem as pixações presentes nos muros de seus bairros e da sua cidade?
O debate sobre o que representa arte, como concebemos o ideal do que é socialmente belo, além de questões como: qual a relação da pixação, no ambiente da cultura visual, com o processo histórico das manifestações sociais no Brasil ou quais entraves são provocados pela criminalização de produções artísticas oriundas das periferias. As indagações anteriores resgatam por onde a sociologia e a história são capazes de acrescentar contribuições para a reflexividade crítica de conteúdos tão caros ao debate social.
O diálogo se faz presente em nossa própria conjuntura política, basta relembrarmos a atuação do prefeito João Doria, em 2016, ao promover a ação do Cidade Linda, com o objetivo de “limpar” os muros da cidade de São Paulo.
Entre o caráter punitivo presente na criminalização da pixação, a repreensão policial é revelada no documentário enquanto uma sanção que afeta também uma realidade de classe, posto que a pixação tem nos jovens periféricos seus principais autores.
São tamanhos os conteúdos das Humanidades que se entrelaçam ao documentário Pixo no trato da realidade da pixação. Uma boa proposta de atividade é convidar as(os) estudantes a observarem os muros de seu próprio bairro, identificando quais expressões artísticas habitam neles e solicitando-os a realizarem fotografias de suas próprias observações.
Essa foi, inclusive, uma proposta realizada pela Professora Cibele Barbosa, no Mestrado de Sociologia em Rede/Profsocio, que gerou os frutos da primeira exposição do Projeto ImageH, Muros Comunicantes, — disponível em https://imageh.wixsite.com/site/c%C3%B3pia-muros-comunicantes-1 —. A professora convidou os estudantes a produzirem imagens sobre suas inquietações no espaço urbano.
O documentário possui classificação e está disponível gratuitamente no YouTube. Link: https://www.youtube.com/watch?v=skGyFowTzew
*Mariana Gomes é estudante de Licenciatura em Ciências Sociais e membro da equipe editorial do imageH.
Para citar esse texto:
Gomes, Mariana. Na sala de aula: Pixo. 2022. ImageH. Disponível em: https://imagehmultihlab.wixsite.com/humanidades
Comments