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A nossa história contada e cantada em primeira pessoa

A memória enquanto uma manifestação coletiva é um dos caminhos para representar a cultura e suas tradições através da oralidade; neste caso,entre aqueles e aquelas que estão presentes nos quilombos urbanos e nas produções da cultura afro-brasileira.


Por Mariana Gomes*

Por meio do resgate de memórias e do compartilhamento de saberes ancestrais, Amanda Ganimo dirige o documentário A nossa história contada e cantada em primeira pessoa, que apresenta composições escritas e cantadas pela própria diretora. A produção audiovisual reforça o sentido e a importância da oralidade na continuidade da história do Centro Cultural do Quilombo do Catucá, do Maracatu Nação Leão Coroado, ambos localizados na região metropolitana de Recife e Olinda. Além de contemplar os conhecimentos e a história de vida do Mestre Naná.


“Hoje boa parte do meu povo está dentro das comunidades, dos bailes funks, das escolas de samba, das rodas de coco, dos maracatus, eles continuam em quilombos, continuam sendo resistência” - Amanda Ganimo


O Quilombo do Catucá é liderado por Mãe Elaine da Oxum — Yalorixaa do Ilê Axé Alaketu Oyá T’Ogum — e coordenado por Moa Dos Anjos. Um espaço que contempla o religioso, a musicalidade, o relacionamento com os instrumentos, a corporeidade. É na Sambada do Catucá, que acontece o coco de roda, proposto pela própria comunidade de Camaragibe. O espaço cultural também acolhe o Maracatu Nação Cabeça de Nego, trazido pela importância de compartilhar o conhecimento, a história e os saberes ancestrais do povo negro. Conta Mãe Elaine que a cabeça é importante, porque é o lugar do corpo em que se concentra tudo o que a gente sabe, sobre quem somos, sobre a vida, sobre a história, e não à toa: é também onde fica a boca, por onde se transmite e se partilha saberes, materializados pela própria fala.

Assim, Amanda Ganimo canta em dos trechos de suas músicas:

“De cabeça em cabeça,

antes que a matéria vire pó,

eu vou passar para outra cabeça,

o que aprendi com a minha avó”.


Karen Aguiar, hoje regente do Maracatu Nação Leão Coroado, conta a história do maracatu mais antigo em atividade no Brasil, relembrando as memórias dos relatos que seu avô, Mestre Afonso, lhe contou desde pequena. E enfatiza como a “pedagogia da oralidade” se fez presente no significado e na permanência de sua atuação no Leão Coroado, sob a fala:


“O que não fica na cabeça, não fica em lugar nenhum.”


Ela resgata, em palavras de seu avô, os ensinamentos compartilhados pelo Mestre Luís de França, reproduzindo a manutenção do Leão Coroado como uma ponte de acesso à cultura, representada pela tradição de Egum. Nessa tradição, o tambor é um instrumento de acesso e de conexão com a espiritualidade.


Fortalecido em suas tradições, o Leão Coroado permanece sendo o único maracatu que mantém a formação original em seu “baque”, e conserva o acervo em sua própria sede, lembrando a importância deste conhecimento ser um “membro” integrado à própria comunidade, localizada em Águas Compridas, na cidade de Olinda.


O ato de contar histórias, experiências vividas, partilhar tradições, conhecimentos ancestrais, visões de mundo e ideias, é o que compõe o sentido e o significado cultural de um povo, sustentando uma organização social através de suas raízes. As histórias contadas e cantadas nesta produção audiovisual podem se tornar também um instrumento pedagógico para o ensino das Humanidades na escola.


Assim, o diálogo com manifestações da cultura popular, tais como o maracatu e o coco de roda possibilita abrir caminhos para a compreensão do significado de cultura, o entendimento da atribuição da diáspora africana enquanto resistência identitária e a importância da formação e das trocas de saberes dentro dos quilombos urbanos, assim como seu caráter fomentador para a afirmação cultural e racial de um grupo, conhecendo e reconhecendo a própria história dos quilombos, de suas relações com a espiritualidade e a religiosidade de origem africana.


Há trechos no documentário que retomam reflexões da historiadora Beatriz Nascimento, e que podem ser trabalhados em sala de aula a partir da relação entre o Movimento Negro e a cultura, pontuando a relação histórica entre as favelas e a presença dos quilombos enquanto

sistema social alternativo e de luta.


Da mesma forma, o documentário possibilita uma aprendizagem crítica que combata o etnocentrismo e a colonialidade.


Uma boa proposta de atividade que pode caminhar com os conteúdos tocados pelo documentário é atrelá-los a trechos das composições de Amanda Ganimo — cantados ao longo do documentário — convidando as(os) estudantes a identificar como esses trechos se comunicam com os conteúdos propostos - trabalhados em sala de aula. Esse exercício simples pode incentivar a participação coletiva da turma ao contato com a musicalidade, utilizando-a como uma ferramenta de aprendizagem e estimulando o desenvolvimento da capacidade de construir interpretações e compartilhar ideias com o outro.


O documentário possui classificação livre e está disponível gratuitamente no YouTube.


Link: https://www.youtube.com/watch?v=51wIBM8Z8VA



*Mariana Gomes é estudante de Licenciatura em Ciências Sociais e membro da equipe editorial do imageH.

 

Para citar esse texto:


GOMES, Mariana. Na sala de aula: A nossa história contada e cantada em primeira pessoa. ImageH, 2022. Disponível em: https://imagehmultihlab.wixsite.com/humanidades



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