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A era dos History Games

O uso das representações históricas nos games levantam discussões no campo de ensino e convidam-nos a refletir sobre as narrativas construídas pela Indústria Cultural e o acesso massivo de crianças e jovens a essas ferramentas, ressaltando a importância do debate dos conceitos históricos em sala de aula. Todo jogo histórico é uma leitura do presente sobre determinado espaço-tempo específico?



Por Gabriela Soares

Assassin's Creed Unity ao fundo a Catedral de Notre Dame, disponível em: https://assassinscreed.fandom.com/wiki/Maximilien_de_Robespierre


Quando a Ubisoft lançou em 2014 a versão do jogo Assassin's Creed Unity, gerou uma série de polêmicas envolvendo políticos franceses. Eles questionavam a forma como o jogo retratou a figura de um dos maiores líderes da Revolução Francesa (1789), Robespierre, que se apresenta como um dos assassinos templários. O ex-candidato à presidência na época, Jean-Luc Mèlenchon, chegou a citar que o papel da Ubisoft era criar uma disputa de narrativa por meio de um revisionismo histórico que conspirava para posições parecidas com a da extrema direita na França. Ao remontar cenários da Revolução Francesa com distorções em seus personagens históricos, a Ubisoft abriu o debate para a relação entre o imaginário social e a historicidade. Nesse sentido, levanta-se a discussão sobre a possibilidade de aprender história por meio de jogos, mas quais jogos podem ser levados de forma crítica para a sala de aula?


A saga Assassin’s Creed faz parte do universo dos History Games, jogos que misturam ficção com acontecimentos históricos. Cabe deixar bem pontuado que essas ferramentas não são a História em si, mas se utilizam dela para criar suas versões. De fato, numa sociedade que se relaciona, também, por meio da cultura digital, esses conteúdos acabam chegando de forma muito rápida para os nativos digitais. Antonine Vimal du Monteil, o criador da Ubisoft e do game, aponta que o jogo nunca quis ser um retrato fiel à história. Mas a História é uma ciência política, produto do meio social e das suas relações culturais, e ao se utilizar dela, ainda que não tenha intencionalidade, acaba por adentrar no campo de debate do uso da historiografia.


Robespierre em Assassin's Creed, imagem do site: https://assassinscreed.fandom.com/wiki/Maximilien_de_Robespierre


A indústria de games atinge um contingente de crianças e jovens, um mercado que cresce anualmente. Em 2021, o Brasil foi o maior consumidor de jogos da América Latina, segundo a consultoria Newzoo. O objetivo dessa discussão não é trazer a versatilidade de jogos disponíveis no mercado, nem fazer ode ao consumismo desenfreado desses games. Mas incitar um campo de reflexão sobre esses usos na sala de aula e como essas ferramentas podem servir como material didático e de que forma. É compreender a diversidade da consciência histórica e seus usos diários, se aproximando de uma linguagem comunicativa dessa juventude ciborgue.

Jogar é um ato lúdico presente em todas as sociedades culturais, uma ação que se aprimora em tempo-espaço. O jogo pode ser tanto coletivo quanto individual, carregam um conteúdo histórico, regras específicas e fases. Para Piaget (1978), o jogo serve de estímulo para o desenvolvimento cognitivo das crianças, uma vez que incorporam objetos da realidade social. Ao transportá-los para a sala de aula, os jogos auxiliam de forma didática a prática docente, seus usos devem ser acompanhados de uma finalidade. Logo, não deve estar deslocado do planejamento e muito menos do conteúdo a ser abordado.



Tabuleiro do jogo War, um dos mais famosos da série dos History Games, imagem retirada: https://www.esfera.com.vc/p/jogo-war-tabuleiro-o-jogo-da-estrategia-war-edicao-especial-grow/e100011445


A relação dos history games com o ensino de história eleva a discussão sobre os usos variados da história, ajuda-nos a refletir que a ciência histórica não pertence exclusivamente ao passado, muito pelo contrário, ela se relaciona entre os tempos. Trazê-la para o cotidiano dos estudantes demonstra que a ciência está presente em todos os lugares, inclusive nos momentos externos à sala de aula. Hoje, existe um movimento dentro do campo teórico e de pesquisas que avaliam como essas ferramentas podem servir de diálogo para o ensino.

O historiador holandês Johan Huizinga, no seu consagrado livro Homo Ludens (original de 1938), observa o jogo como uma atividade lúdica histórico-cultural, uma espécie de evasão da vida real e que limita o tempo e espaço, adquirindo regras próprias que são livremente consentidas e obrigatoriamente seguidas. No universo do ensino de história, nos deparamos com conceitos essenciais, como o da narrativa, as permanências, as rupturas, memórias, espaços e tempos. Quando se trata de jogos digitais que utilizam-se da História, esses tendem a projetar seus personagens para diversos passados, criando ambientações que estimulam o imagético e podendo criar possibilidades de “alterar” esse passado. Este é um ponto fundamental para discussões em sala de aula, a ciência histórica não é ficção e quaisquer alterações ou novas perspectivas sobre o passado deve ser pensada do ponto de vista científico com o uso das suas fontes.

Série de RPG Age of Empires III, retirada do site: https://ageofempires.fandom.com/wiki/Macedonians


Pensar historicamente. Eis a grande questão. E dessa forma, o historiador e professor Eucidio Arruda abordou o conceito de Making History, analisando o RPG Age of Empires. Arruda chegou a conclusão que as regras de um jogo que traz acontecimentos históricos como pano de fundo leva o jogador a uma ação de compreensão e questionamentos dos caminhos que foram tomados. O exercício de seguir rastros, analisar as decisões e pensar sobre a narrativa que está sendo criada se conecta ao fazer histórico, podendo ser usado de forma coerente em sala de aula.

A chave do diálogo, talvez, seja como o(a) professor(a) de História pode se apropriar dessas possibilidades dentro das suas realidades escolares, seguindo um planejamento que não apenas considera aspectos materiais como cognitivos, e se esse é um papel de mediação, como pode ser feito. Distante de criar regras, mas de aproximar essa comunicação com o mundo externo. Na próxima etapa, iremos abordar com o auxílio de produções teóricas essas viabilidades entre os jogos e o ensino de História.


REFERÊNCIAS


HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o Jogo como Elemento na Cultura (1938). São Paulo: Perspectiva, 2008.KAFKA, Franz.

PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança. 3ªed. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

SEVERO, Elvis Leonardo Sena; ZADUSKI, Jeong Cir Deborah. Games e Educação: considerações sobre Assassin's Creed e o ensino da História. Colloquium Humanarum, Presidente Prudente, v. 15, n. 2, p.10-21 abr/jun 2018.


 

* Gabriela Soares é estudante de licenciatura em História e membro da equipe editoral do ImageH.




Para citar esse texto:


SOARES, Gabriela. A era dos History Games , 2023. Disponível em: www.imageh.com.br.

 


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