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Como o vaporwave se tornou uma estética tão impactante na última década?

O vaporwave é um gênero artístico próprio da internet que ganhou complexidade ao longo da década de 2010. Este movimento, que começou como uma crítica ao consumismo e ao capitalismo, foi apropriado por grupos e instituições mais diversas, desde empresas de entretenimento a fóruns fascistas na internet.


Por Guilherme Falcão*

Capa do álbum Macintosh Plus - Floral Shoppe, de Vektroid

O que é vaporwave?


Observe a imagem acima. O que ela significaria à primeira vista? O que um busto em modelo Clássico em um fundo rosa, que se estende a um piso quadriculado, uma tela que parece ter sido tirada de alguma animação 3D do século passado, junto com um letreiro em japonês, poderiam ter em comum?


Respondo: nada. Elas não têm nada em comum.


Agora, junte isso a um forte remix da música It’s your move, de Diana Ross — com tantas referências cruzadas, que desconfigura todo o ritmo acelerado e dançante desse pop dos anos 1980. Parece confuso, não é? Mas essa é a estética que tem tomado conta de várias referências audiovisuais nas redes sociais, marcas de roupa, empresas de entretenimento e até ideologias políticas.


A imagem em questão é a ilustração que encapa o álbum de estúdio Floral Shoppe, de Macintosh Plus — projeto da produtora de música eletrônica Vektroid (nome artístico de Ramona Xavier). E a música que acabamos de descrever a partir do remix de It’s your move é a faixa mais famosa deste álbum, a リサフランク420 / 現代のコンピュー Risa Furanku 420 / Gendai no Konpyū (Lisa Frank 420 / Computação Moderna).


O encarte, a música e o álbum são referências do movimento estético que marcou a internet da década de 2010, o chamado vaporwave. Essa cibercultura, isto é, esse aglomerado cultural originado na internet, pode ser resumida como um movimento sinestésico que enfatiza sensações contemporâneas a nosso tempo.

Ilustração baseada no anime Neo Genesis Evangelion. Em tradução livre, o texto da imagem diz: "todo mundo te odeia". Disponível em https://www.wallpaperflare.com/evangelion-neon-genesis-evangelion-vaporwave-wallpaper-gijrz.

A quebra das formas e a pluralidade — aparentemente solta — de referências parece trazer ao movimento um vazio estético: é tudo e nada ao mesmo tempo. Na verdade, isso nada mais é do que a exploração artística da fragmentação das várias referências que precisamos processar para interpretar uma mensagem em nosso cotidiano, onde é muito comum vermos misturas de várias culturas, de vários tempos diferentes, dividindo o mesmo espaço.


No geral, a iconografia do vaporwave é bem interessante. É bem comum encontrarmos artes digitais com cores contrastantes em filtros de VHS, glitch art¹, estátuas greco-romanas, pixelart japonesa, animes e símbolos tropicais (como praias, coqueiros e golfinhos) que se alinham às músicas cheias de sintetizadores e remixes de músicas pop dos anos 1980 ou do gênero muzak (ou “música de elevador”) (DECLERCQ, 2019, adaptado).


Essa exploração vasta de referenciais, no fim das contas, acaba trazendo a quem observa e/ou escuta, uma sensação estranha de nostalgia e angústia misturada com descrença no mundo em que estamos vivendo. A crítica, portanto, reside na caricaturização do excesso, da falta de lógica de nossas vidas e da dependência distópica em relação à tecnologia.

Em tradução livre, o texto da imagem diz: “realidade é um pesadelo”. Ilustração retirada do Pinterest. Disponível em: https://br.pinterest.com/pin/861102391255402293/

Relação com a política


Até então, o vaporwave pode estar parecendo só uma coisa de gente desocupada na internet. Mas não é. O vaporwave não é uma loucura inocente. Essa epifania terrível de se acompanhar e a sensação de fragmentação por não se entender nenhuma mensagem de maneira linear são os lugares onde reside a crítica política do vaporwave.


A expressão dessa arte e a sua visão de mundo é trágica. É uma forma de se opor à materialidade do mundo capitalista. Por essa razão, parte do vaporwave foi abraçada por setores à esquerda, sendo esse um movimento entendido como uma crítica progressista (apesar de triste) ao capitalismo.


A complexidade que precisamos levar em conta com relação ao vaporwave, no entanto, é quando este movimento ganha aderência nos setores da extrema-direita. Segundo escreveu a jornalista Marie Declercq (2019, adaptado):

[...] essa pluralidade de referências, que faz parte da crítica irônica ao capitalismo — o que faria do vaporwave um movimento de esquerda —, ajuda a aderência do estilo no mais contraditório espectro político, como a extrema direita. (...) A extrema-direita já demonstrava uma certa atenção sobre o vaporwave. Na verdade, sobre o fashwave (cujo fash é uma referência direta ao fascismo), que é um desdobramento do gênero, nascido no 4Chan e fóruns na web onde este grupo do espectro é bastante atuante. (...) O microgênero misturava elementos do nazifascismo com trechos de discursos de Donald Trump.

Essa adoção pode ser feita, talvez, porque o vaporwave é uma estética representante da angústia e falta de representatividade que assombra tanto a direita quanto a esquerda, como pontua o antropólogo francês Bruno Latour em entrevista ao El País (2019). Com isso, é válido dizer, não pretendo igualar as duas críticas, mas indicar que a angústia, o erro, a falta de linearidade das narrativas e a pluralidade de fatos que podemos encontrar sobre um mesmo evento imprimem em nós sensações presentes na iconografia dessa estética, tornando o vaporwave um movimento de fácil assimilação.

Ilustração de Vinícius Trigo, para revista VICE Brasil (2019).

Certo, mas o que isso tem a ver com Cultura Visual e Humanidades na escola?


Já há alguns meses que a equipe do Imageh/MultiHlab vem se ocupando das tecnologias e demais virtualidades, inferindo sobre os efeitos pedagógicos dessas novidades. Aqui no nosso blog temos uma boa quantidade de textos que refletem sobre a capitalização do hibridismo entre o mundo offline e o online (BARBOSA, 2022), seus impactos e possibilidades nas salas de aula (FALCÃO, 2021), como podemos interpretar essas novas histórias sobre o futuro (TORACI, 2022) e como podemos entender a complexidade das estéticas originadas na internet, entendendo-as como narrativas contemporâneas, com consequências diretas na política, economia e entretenimento — que é o propósito deste texto.


Além disso, as produções culturais contemporâneas estão cheias das referências do vaporwave. Portanto precisamos nos inteirar delas. Por exemplo, no audiovisual, a MTV chegou adotar essa estética; na música, Rihanna performou sua música Diamonds no Saturday Night da NBC, em 2012, utilizando a iconografia em chroma-key²; na moda, as lojas de fastfashion estão cheias de estampas embasadas no vaporwave; nas redes sociais, o Tumblr e, mais recentemente, o Tiktok e o Instagram, são os principais representantes dessa disseminação acelerada de referências; na política, como vimos, grupos de direita, mesmo que contraditoriamente, se apossaram dessa estética para viralizar suas ideologias.


*Guilherme Falcão é mestrando em Antropologia pelo PPGA/UFPE, bolsista multiHlab/FACEPE e integrante do imageH.


Notas

¹ Glitch é um termo em inglês para “uma súbita irregularidade ou mau funcionamento, geralmente temporário, do equipamento" (Oxford Dictionaries).


² Chroma-key é uma técnica de efeito visual que consiste em colocar uma imagem sobre uma outra por meio do anulamento de uma cor padrão, como por exemplo o verde ou o azul (Wikipedia).


 

Para citar esse texto:


FALCÃO, Guilherme. Como o vaporwave se tornou uma estética tão impactante?. ImageH, 2022. Disponível em: https://imagehmultihlab.wixsite.com/humanidades

 

Para saber mais:


DECLERCQ, Marie. Bolsonaro e vaporwave: a tentativa estética tardia de um governo que rejeita arte, 2019. Disponível em https://www.vice.com/pt/article/8xwn4a/bolsonaro-e-vaporwave-a-tentativa-estetica-tardia-de-um-governo-que-rejeita-arte


MEIRELES, Maurício. O que é vaporwave, a estética criada na música eletrônica e apropriada pela nova direita, 2019. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2019/06/o-que-e-vaporwave-a-estetica-criada-na-musica-eletronica-e-apropriada-pela-nova-direita.shtml


PEREIRA, Diogo. Vaporwave: a estética do vazio, 2017. Disponível em https://www.rimasebatidas.pt/vaporwave-estetica-do-vazio/


WIKIPEDIA. Vaporwave. Disponível em

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