Para além da mera ilustração: os estudos da cultura visual abrem janelas para a compreensão das imagens na sociedade e podem fornecer poderosas ferramentas de análise e discussão em sala de aula
Por Cibele Barbosa*
O que é cultura visual? Em breves linhas, podemos afirmar que o termo é utilizado tanto para se referir a um campo de estudos quanto para contemplar a esfera da realidade social que ocupa um grau central de importância no âmbito das relações sociais contemporâneas. Cultura visual não deve, porém, ser confundida com "imageria" (imagery) ou seja, o conjunto de produtos visuais de dada sociedade. Sua definição é mais ampla e comporta, além da produção imagética, o estudo social das práticas do olhar ou dos modos de ver, como definiu John Berger nos anos 1970, em seu documentário Ways of Seeing.
Como nos diz Nicholas Mirzoeff, os estudos da cultura visual ou os usos do termo cultura visual para indicar um campo de estudos, nasceram em razão das inquietações de muitos artistas, críticos e intelectuais que “sentiam que a nova urgência do visual não poderia ser plenamente considerada nas disciplinas visuais estabelecidas”. Afinal, diante da emergência de uma sociedade onde o medium visual atravessa praticamente todas as esferas de interação social, é insuficiente refletir sobre o “visual” restringindo-o ao domínio apenas da história da arte ou das mídias.
Por essas e outras razões, nos anos 1970, embalados pelos estudos culturais (cultural studies), pesquisadores, grande parte pertencentes a espaços anglófonos, passaram a conceber as mídias visuais não como mera geração de produtos imagéticos, mas a sob a ótica do campo social do visual, tido como um conjunto de práticas que incide sobre a formulação das nossas subjetividades e que influecia ou mesmo conduz nossas percepções. O olhar não se define apenas pelo ato físico da visão, mas como uma prática de atribuição de sentidos socialmente incorporada. Em outras palavras, a maneira como percebemos as imagens está relacionada às nossas memórias afetivas e sociais, hábitos e valores sociais internalizados, afetos, experiências, expectativas, incorporação de modelos culturais etc.
Desse modo, a cultura visual não pode ser compreendida apenas como interpretação de imagens nem pode ser pensada como uma disciplina tradicional. Quando nos remetemos a um mundo recente onde as redes sociais e as imagens digitais imperam na sociedade de telas, o estudo da cultura visual não se reduz a um treinamento de como usar ou decodificar imagens, ou como Mirzoeff lembra, “ensinar softwares”. Na verdade, trata-se de um campo interdisciplinar que busca desenvolver reflexões que transformem os sujeitos de meros espectadores em agentes ativos na compreensão e formulação da experiência visual.
Estudar a cultura visual capacita a aquisição de meios de sociologizar ou mesmo historizar as imagens e perceber que, quando olhamos e interpretamos ou quando vemos algo e isso nos afeta de algum modo, certamente nossa percepção está embebida, mesmo que de forma inconsciente, de valores e ideias culturalmente incorporadas e historicamente construídas. Ou seja, esses modelos influenciam nossos julgamentos estéticos e políticos sobre as imagens: provocam medo, repulsa, empatia e que, por essa razão, também são manipulados e adquirem papel decisivo nas interações sociais e no jogo político.
Como somos constantemente bombardeados e afetados pelas imagens, o espaço de reflexão sobre quem as produziu, como, por que e para quem, faz parte desse aprendizado do “ver”; o que muitos autores do campo educacional chamariam de letramento visual crítico. O estudo da cultura visual, no entanto, amplia esse campo de possibilidades ao considerar não apenas a imagem como produto a ser "lido" ou contextualizado mas interroga sobre o mecanismos culturais, sociais e institucionais que produzem, endossam e fazem circular essas imagens.
Esses estudos partem do pressuposto de que não basta manejar o uso de imagens absorvendo-as de forma passiva. É preciso interrogar qual o papel que elas exercem em nossas vidas: usamos as imagens para quais fins? Elas representam verdades? Elas são provas de algo? Elas nos inspiram? O valor e a atenção que damos às imagens a ponto de afetar nossas emoções e juízos de valor são algo natural ou fazem parte de uma cultura socialmente construída?
Além dessas, podemos despertar outras interrogações: quais discursos e dispositivos de poder são abalados ou confirmados pelas imagens? As imagens podem atuar na transformação de comportamentos sociais? Como foram produzidas e modificadas historicamente? Como elas alteram nossa imaginação política? Como criam expectativas? Será que outorgamos às imagens poderes demasiados e agora não sabemos como escapar à sua influência?
Essas perguntas não são simples de responder. Como campo interdisciplinar, há uma grande variedade de trabalhos, pesquisas e ações dispersas: são livros, exposições, artigos e outros conhecimentos divulgados em diferentes plataformas.
A ideia desse site é fazermos uma curadoria não só de repositórios ou bibliotecas digitais de imagens, mas de estudos e pesquisas sobre cultura visual de modo a auxiliar professor@s, pesquisador@s e estudantes do campo das humanidades a desenvolverem instrumental crítico para analisar, utilizar e produzir imagens. Nesse sentido, podemos dizer que este site não é um espaço para se aprender tecnicamente a usar imagens como ilustração de textos mas para pensar criticamente sobre os produtos visuais e as construções sociais ligadas às práticas do ver e do ser visto.
Se o campo visual é construído socialmente então é possível transformá-lo. Nesse caso, não é preciso sermos apenas espectadores passivos das imagens, certo?
*Cibele Barbosa é pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco, professora do Profsocio e coordenadora do projeto imageH.
Para citar esse texto:
BARBOSA, Cibele. Cultura visual e ensino de humanidades. ImageH, 2021. Disponível em: www.imageh.com.br
Para saber mais:
MIRZOEFF, Nicholas (ed.).The visual culture reader. London/New York: Routledge, 1998.
SCHIAVINATTO, Iara Lins Franco; COSTA, Eduardo Augusto (Orgs.). Cultura visual e história. São Paulo: Alameda,2016.
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