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Félix Nadar e a fotografia como espetáculo

As fotografias e a vida agitada do fotógrafo francês Félix Nadar transformaram-se em espelho de uma época


Por Cibele Barbosa*




Félix Nadar (1820-1910), cujo nome de batismo é Félix-Gaspar Tournachon, talvez seja um dos mais conhecidos fotógrafos durante os primeiros anos desde o surgimento da fotografia, em meados do século 19. Em seu ateliê fotográfico em Paris, posavam para a câmera do famoso retratista celebridades daquele tempo como os escritores Julio Verne, Alexandre Dumas, Émile Zola, George Sand, o cientista Louis Pasteur, a cantora de ópera Sarah Bernhardt e outros que provavelmente eram conhecidos à época mas sobre os quais pouco sabemos nos nossos dias, a exemplo da amazona Selika Laszewski.


Mas não foram só cientistas, escritores e artistas que visitavam o estúdio parisiense situado no primeiro andar da rua dos Capuchinhos (Boulevard des Capucines), número 35: Nadar, que também era caricaturista e ilustrador, cedeu o espaço do seu famoso estúdio para que pintores impressionistas pintassem e expusessem seus trabalhos, a exemplo da primeira exposição impressionista em 1874. Uma das pinturas de Monet, a da rua dos Capuchinhos, muito provavelmente foi pintada a partir da vista do primeiro andar do estúdio de Nadar.


O fotógrafo francês também era uma estrela. Figura excêntrica, com cabelos e bigodes vermelhos, gostava de impressionar os olhos do público, mostrando um autorretrato no qual aparecia em um balão que ele mandara construir nos anos de 1860. As manipulações da imagem produzida em estúdio certamente impressionaram olhares inocentes ainda pouco acostumados a essa nova técnica de captura da imagem e que, portanto, não desconfiavam das falsificações da imagem. O retrato, no qual o fotógrafo posava dentro do balão não foi captado enquanto este estava nos ares, mas sim no cenário confinado das paredes do seu estúdio. A fotografia, que nos seus primórdios era tida, por muitos, como uma suposta reprodução fidedigna do real, foi instrumento de poder e ciência bem como objeto de experimentações e manipulações técnicas.


Nadar, no entanto, usou o balão para captar imagens “de cima”: não dele, mas da cidade e arredores. O fato é revelador do fascínio que as funcionalidades do aparelho produtor de imagens representava, abrindo alas para a era da chamada “reprodutibilidade técnica” conforme bem nomeou o filósofo Walter Benjamim. Por outro lado, a imagem aérea, seja captada em balões ou futuramente (no século XX) em aviões serviram, entre outras funções, para ampliar as possibilidades de controle e conhecimento do espaço, transformando a fotografia em um instrumento da onipresença do olhar. Com sua câmera, Nadar fotografou do alto e debaixo da terra, a exemplo das fotos que fizera das catacumbas de Paris. Inaugurava-se, assim, uma época em que tudo deveria ser visto, registrado e sempre que possível, exposto: a sociedade do espetáculo, como foi nomeada por Guy Debord, e do consumo visual, que passaria a ser um dos traços marcantes do século 20 que se avizinhava.


O retratista, jornalista, caricaturista, escritor e balonista também fotografou, como era comum à época, imagens post-mortem de personalidades, a exemplo do escritor Victor Hugo e do Imperador D. Pedro II.


Os retratos desse curioso fotógrafo( clique aqui) representam bem os modos, modas, sociabilidades, gosto e aspirações de um tempo marcado por importantes transformações econômicas, sociais, geopolíticas e tecnológicas que tiveram na fotografia um dos seus símbolos.



*Cibele Barbosa é pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco, professora do Profsocio e coordenadora do projeto imageH.


 

Para citar esse texto:

BARBOSA, Cibele. Félix Nadar e a fotografia como espetáculo. ImageH,2021. Disponível em: www.imageh.com.br

 

Para saber mais:



BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: Obras escolhidas I. São Paulo: Brasiliense, 1987.

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo.Rio de Janeiro: Contraponto,2000.

NADAR, Félix. Quando eu era fotógrafo. trad. Inês Dias. Lisboa : Cotovia, 2017.





 

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