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Mais uma dica de livro sobre beleza negra e resistência

Em seu livro Sem perder a raiz — corpo e cabelo como símbolos de identidade negra, Nilma Lino Gomes faz uma minuciosa pesquisa em quatro salões étnicos de Belo Horizonte para nos convidar a refletir sobre a estética corporal como lugar de resistência ao racismo, quebra dos padrões da brancura e como afirmação identitária da ancestralidade africana.


Por Cibele Barbosa*


Na série de livros indicada em um post anterior do imageH, as respectivas autoras trabalharam imagens e documentos históricos sobre como o racismo e a branquitude afetaram e distorceram concepções e percepções sobre corpos negros.


Capa do livro "Sem perder a raiz - corpo e cabelo como símbolos da identidade negra", de Nilma Lino Gomes.


Ao longo dos anos, porém, diferentes meios de resistência negra foram acionados no enfrentamento a esses padrões. A professora e pesquisadora Nilma Lino, em sua tese publicada no formato de livro Sem perder a raiz — corpo e cabelo como símbolos de identidade negra, apresenta um estudo etnográfico realizado em quatro salões étnicos da cidade de Belo Horizonte e suas respectivas concepções sobre a estética negra.


Como afirma a autora:


[...] só o fato de afirmar publicamente a existência de uma “beleza negra”, de se especializar em tratar e valorizar o cabelo crespo e de atender a uma clientela negra e mestiça, já faz com que os salões étnicos cumpram importante função política no contexto das relações raciais estabelecidas em nossa sociedade.

Mas, por que os salões teriam essa função? Com muita propriedade, Nilma analisa o papel do corpo e do cabelo na produção de subjetividades das populações negras. Baseando-se em teóricos como Merleau-Ponty, a autora procura pensar as relações raciais no Brasil pela via dos sentidos, das emoções e da corporeidade.


É importante salientar que o conceito de raça trabalhado pela autora é tomado como uma construção política e cultural, e não biológica. Desse modo, o corpo é o palco onde as emoções se expressam, onde a imagem é criada, onde as identidades estão estampadas. Os salões de beleza, por sua vez, são “lugares em que se cruzam projetos individuais e sociais desenvolvidos em meio a instabilidades, conflitos e negociações.”



Noite Africana apoiada pelo Salão Dora Cabeleireiros/2000. Foto retirada do livro "Sem perder a raiz - corpo e cabelo como símbolos da identidade negra", na página 366.

Ao observar as dinâmicas e transformações dos salões étnicos e do seu público, Nilma elabora um retrato sensível dos fatores culturais e sociais que tornaram cabelos e penteados africanos importantes na construção identitária de cabeleireiros e cabeleireiras, bem como de seus clientes.


Nas fotografias produzidas ao longo da pesquisa, no diário de campo e nas entrevistas, Nilma faz um estudo minucioso de como as imagens espalhadas nos cartazes dos salões e os símbolos étnicos mobilizados nesses espaços dialogavam com as histórias de vida daqueles que adentravam o salão.


Diante dos relatos reproduzidos no livro, é possível perceber a dimensão da luta e da resistência pela afirmação identitária e o poder que ela exerce sobre a autoimagem dos que enfrentam o peso dos padrões racistas construídos ao longo da história — padrões esses impressos e exibidos nos anúncios publicitários.


A autora observa os significados dos termos que vêm sendo utilizados durante muito tempo para tratamentos estéticos, a exemplo do alisamento, e como essas práticas e padrões corporais estão sendo modificados, ressignificados e problematizados — acenando, assim, para uma “mudança nos padrões estéticos do brasileiro e da brasileira. Uma mudança que não se dá no vazio. Ela se realiza graças à ação política e às ações anônimas de negros e negras que lutam contra o racismo. “


Placa de divulgação mostrada no livro, na página 364.

O livro é um convite para toda a sociedade refletir sobre um tema que ainda desperta debate. Basta lembrar por exemplo do último Big Brother Brasil, onde o cabelo de um dos participantes foi alvo de piadas racistas.


A falta de uma compreensão mais ampla sobre o papel social e subjetivo que o cabelo e o corpo representam enquanto resistência a uma lógica, por muito tempo, hegemônica e racista em nossa sociedade, só revela o quanto é urgente e necessária a leitura de trabalhos como o de Nilma.


Então, por que não começar agora?


*Cibele Barbosa é pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco, professora do Profsocio e coordenadora do projeto imageH.

 

Para citar esse texto:


BARBOSA, Cibele. Mais uma dica de livro sobre beleza negra e resistência. ImageH, 2021. Disponível em: https://imagehmultihlab.wixsite.com/humanidades.

 

Para saber mais:


LINO GOMES, Nilma. Sem perder a raiz — corpo e cabelo como símbolos de identidade negra. São Paulo, Editora Autêntica, 2019.




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