Toritama em tupi-guarani é “terra da felicidade”, a cidade localizada no agreste de Pernambuco há muito se transformou na “Capital do jeans” e pelas lentes do cineasta Marcelo Gomes também virou documentário.
Por Mariana Gomes*
Estou me guardando para quando o carnaval chegar é o título da história contada sobre a economia que transformou as garagens das casas da cidade de Toritama em fábricas de fundo de quintal - “Facções”, como são chamadas —, engolindo uma cidade que era quase inteiramente movida pela agricultura e agora é cenário das linhas de montagem da fabricação de jeans.
Esse mundo novo, por assim dizer, de progresso econômico da cidade, é apontado no documentário em suas consequências: como se configurou a vida dos trabalhadores diante das novas relações de trabalho?
A vida dos moradores que dedicam seu tempo a produção de jeans é movida pelo trabalho. As relações entre salário e trabalho realizado são medidas pela quantidade de peças produzidas e, nesse caso, não envolvem outras seguridades necessárias a um trabalho minimamente saudável.
O silêncio em Toritama só está presente em dois momentos: no almoço e na hora de dormir. A cidade é vista e vivenciada como um lugar para trabalhar. Outro momento em que Toritama retoma o silêncio, mas desta vez por dias seguidos, é no feriado de carnaval. Não à toa o título do documentário é inspirado na música de Chico Buarque Quando o carnaval chegar, que traz em seus versos:
“Eu tenho tanta alegria, adiada, abafada
Quem dera gritar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar”.
A hora da alegria guardada, da diversão adiada, do descanso e do lazer abafados, se torna grito com a chegada do carnaval, porém os gritos vêm de lugares distantes de Toritama, porque nestes dias o barulho das máquinas de costura, a buzina das motos que transportam pilhas de jeans na cidade são interrompidos pelo mais puro silêncio. Para se divertir durante o feriado muitos trabalhadores vendem móveis, geladeira, televisão e outros utensílios, só para poder viajar e curtir o carnaval em alguma das praias das cidades vizinhas.
Segundo o antropólogo Roberto DaMatta, o carnaval, em nossa sociedade, é a representação de um rito de passagem. O autor infere que, durante o carnaval, “em oposição aos acontecimentos que igualmente suspendem a rotina do cotidiano”, os comportamentos deixam de estar no domínio racional das relações sociais.
Nesse sentido, há uma espécie de inversão das normas hierárquicas, assim como na música de Chico, na vida dos trabalhadores de Toritama. O Carnaval também rompe com as normas do dia-a dia, pois o trabalho que começa às 07h da manhã e pára no almoço, volta às 13h da tarde e pára no jantar, volta ás 19:30h da noite e finaliza por volta das dez, é interrompido para que se possa viver o descanso e o lazer esperado ao longo de todo o ano. Em um universo do trabalho sem férias, o Carnaval as representa.
É sob esse aspecto que o documentário evoca como o carnaval pode ser pensado para as relações sociais e qual seu significado diante das relações de trabalho. Principalmente no segundo ano em que o carnaval de rua nas cidades brasileiras não acontece por conta da pandemia da Covid-19, é interessante associar a representação cultural da festividade à realidade vivenciada pelos estudantes e também por seus familiares diante desse novo cenário.. Esse pode ser o pontapé inicial para uma sequência didática que aproxime os estudantes dos conteúdos de sociologia e história que podem ser trabalhados após assistir ao documentário.
Além das estratégias didáticas apontadas até aqui, seria interessante nesse segundo momento, refletir a possibilidade dos alunos elaborarem perguntas em sala de aula, para realizar uma rápida entrevista em casa com algum familiar, se inspirando no documentário e nas perguntas que foram realizadas para a construção dele. Assim seria possível envolver a discussão do que representa o carnaval para aquele familiar, se representa descanso ou trabalho, qual a profissão que ele exerce, como ele vivenciou a data nestes últimos dois anos. Essas discussões podem servir tanto para aproximar o aluno ao conteúdo a ser desenvolvido, como abrir caminhos mais amplos de discussão e diálogos interdisciplinares entre as Humanidades na escola.
Além do mais, as questões trazidas pelo documentário possibilitam discutir o caráter do trabalho na sociedade atual: a realidade do trabalhador autônomo, cujas falas “ser o seu próprio patrão”, “trabalhar para você mesmo” ou ser o dono de seu próprio tempo, — mencionadas durante o documentário — representam as novas configurações do discurso do empreendedorismo no mundo do trabalho e estão diretamente relacionadas a qual lugar o trabalho ocupa na vida em sociedade, à organização do trabalho no século XXI, à precarização do trabalho e às transformações gerais que circundam as relações trabalhistas.
O documentário possui classificação de 10 anos de idade. Assim sendo, pode tranquilamente ser trabalhado nas aulas de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas tanto nos primeiros anos do novo ensino médio, quanto nos segundos e terceiros anos que estão diante da grade curricular antiga, especificamente nas aulas de Sociologia e História, tendo em vista a realidade do ensino médio para o estado de Pernambuco.
*Mariana Gomes é estudante de Licenciatura em Ciências Sociais e membro da equipe editorial do imageH.
Para citar esse texto:
GOMES, Mariana. Na sala de aula: Estou me guardando para quando o carnaval chegar. ImageH, 2022. Disponível em: https://imagehmultihlab.wixsite.com/humanidades
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