Essa semana iniciamos o “Na sala de aula”, propondo dicas de filmes, séries e minisséries que possam fazer parte dos debates das ciências humanas entre professores e alunos. Nossa primeira indicação é a minissérie, lançada pela Netflix, Colin em preto e branco. Na minissérie, o jogador de futebol americano Colin Rand Kaepernick conta sua própria história de vida e relata as dinâmicas de poder existentes nas relações entre esporte e racismo.
Por Mariana Gomes*
Colin nasceu em Wisconsin e, ao ser adotado por um casal de pessoas brancas, cresceu em Turlock, onde se viu rodeado de poucas pessoas negras em seu próprio bairro. No primeiro episódio nomeado “Trancinhas”, a minissérie conta os momentos de atrito vividos pelo garoto com seus pais brancos acerca do seu próprio cabelo: em um desses momentos, o pai de Colin pergunta a seu filho se ele já ouviu falar sobre “fadiga de decisão”, e explica ao garoto que, sendo o cérebro um músculo do corpo, quanto mais usamos o cérebro mais cansado o músculo fica, então o pai aconselha que Colin não necessitaria desperdiçar energia do seu cérebro com “penteados” porque dessa forma, o garoto não precisaria pensar sobre seu próprio cabelo. Assim, sugere a Colin cortar o cabelo bem curto para evitar problemas, indicando que um dos motivos para que o jogador de basquete Michael Jordan tivesse tanto sucesso é justamente o fato de ele ser careca.
Colin descreve que por trás de um jogo de futebol e de seu sonho de se tornar um quarterback, existe uma dinâmica de poder que prepara jovens negros para um sistema racista estrutural, pois de “muitas maneiras, as regras do jogo refletem o código de comportamento esperado na sociedade amercana”.
Ainda no mesmo episódio, Colin é levado por sua mãe a uma barbearia para trançar seu cabelo, mas em seguida recebe críticas de seus pais e de seus treinadores quanto às tranças e é intimado a cortar o cabelo para que possa continuar jogando no time da escola. Ao questionar que isso não seria correto, Colin é comparado por sua mãe a um “THUG”, termo que remete uma pessoa violenta, um criminoso, na tradução: um bandido.
Ao seu cabelo foi atribuída a aparência de “não profissional”, mesmo discurso utilizado com o ex-jogador de basquete Allen Iverson ao trançar seu cabelo, que também ousou não jogar do jeito “certo”, ou seja, do jeito e das regras que as pessoas brancas estabeleceram que deveria ser o jogo.
As "microagressões”, vivenciadas por Colin são pequenas indignidades comportamentais, intencionais ou não, que comunicam insultos raciais depreciativos e desumanizam pessoas negras. São essas “microagressões”, que estão também presentes nos treinamentos de diversos esportes, seja no basquete, no baseball, no futebol americano ou em outras modalidades. Os treinadores querem guerreiros e feras em suas equipes e times, os corpos dos jogadores se transformam em um produto rentável, preparado, incansável, disposto: “antes de te colocarem em campo, as equipes te cutucam, espetam e examinam, procurando qualquer defeito que possa afetar seu desempenho. Não respeitam nenhum limite, não deixam nenhuma dignidade intacta”. Desde o cabelo, o corpo e o comportamento, as regras do jogo estão postas a serem obedecidas, do contrário as “microagressões” funcionam como um mecanismo de controle que distanciam os/as atletas de suas próprias histórias.
A partir da minissérie é possível debater temáticas em sala de aula sobre esporte, racismo estrutural, negritude, cultura, identidade cultural, mecanismos de poder e suas relações políticas e estatais, movimento hip hop, relações de classe e de raça existentes nos cenários urbanos. Mais especificamente, podem ser trabalhados conteúdos como a segregação racial nos Estados Unidos e os resquícios da sociedade escravocrata entre outras temáticas que, em larga medida, podem também ser pensadas para problematizar a sociedade brasileira.
*Mariana Gomes é estudante de Licenciatura em Ciências Sociais e membro da equipe editorial do imageH.
Para citar esse texto:
GOMES, Mariana. Na sala de aula: Minissérie Colin em preto e branco. ImageH, 2021. Disponível em: https://imagehmultihlab.wixsite.com/humanidades.
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