top of page

Os misteriosos retratos de Selika Laszewski

Fotografias da amazona Selika, produzidas em Paris no ano de 1891, chamam atenção de pesquisadores


Por Cibele Barbosa*


Uma série de seis retratos, em negativos de vidro, produzidos em 1891, atualmente disponíveis online no acervo da mediateca (biblioteca de mídias) de arquitetura e patrimônio de Paris, guardam um mistério: quem foi aquela mulher altiva captada pela câmera? No auge da Belle Époque, Selika Laszewski é fotografada vestida em dois trajes de montaria de luxo, conhecidos como traje amazona, típico da equitação europeia do final do século XIX: cartola, jaqueta justa sobreposta ao espartilho e longa saia. Essa vestimenta estava relacionada à equitação haute école, técnica de adestramento de cavalos com trotes e galope. No caso das mulheres, a montaria era realizada com as duas pernas viradas para o mesmo lado.


Na fotografia, Selika carrega nas mãos uma bengala ou o cabo de um chicote, o que é um indicador para pensarmos que ela era, provavelmente, uma praticante de equitação, adestradora ou domadora de cavalos. Em outro retrato, ela repousa sobre uma pele de animal. Provavelmente a jovem amazona era uma figura de destaque na sociedade parisiense do período, já que seus retratos foram produzidos no estúdio do famoso fotógrafo Félix Nadar, retratista das celebridades da época. A autoria das fotografias foi creditada em nome do seu filho Paul Nadar, que na época administrava o estúdio.


Quem foi Selika?

A história de Selika vem despertando o interesse de pesquisadores nos últimos anos. Intrigados pela ausência de referências ao nome da amazona em fontes escritas, alguns supõem que a moça se apresentava em espetáculos com cavalos no Nouveau Cirque (Novo Circo) na rua Saint-Honoré, em Paris, porém a vestimenta com a qual ela é fotografada difere daquela utilizada pelas artistas do período. Esse aspecto é importante salientar, pois as fotografias de estúdios na época funcionavam como uma espécie de cartão de visita e normalmente os fotografados costumavam portar vestimentas, cenários e acessórios que os representassem. Afinal, esse tipo de fotografia era comumente utilizado como forma de afirmação social e autopropaganda.


A suspeita de que ela tenha feito parte do grupo de artistas desse espaço ocorre em razão de seu sobrenome, Laszewski, que é o mesmo de um casal de treinadores franco-poloneses que chegaram em Paris em 1888 e trabalharam no Nouveau Cirque. Pesquisadores suspeitam que ela tenha sido adotada por este casal e se apresentava com eles. O curioso é que não há qualquer registro de Selika que prove sua presença e trajetória nesse local.


Também não há conhecimento se esse é seu nome verdadeiro ou artístico. Selika era um nome bastante comum na França daquele período em razão da personagem da ópera A Africana de Giacomo Meyrbeer, de 1865, que fez bastante sucesso à época.

As lacunas da história desta mulher negra na Belle Époque parisiense, cuja única informação segura são suas fotografias, tornou-se inspiração para um curta metragem de ficção: As aventuras de Selika. O roteiro não é inspirado na história real mas foi criado/imaginado a partir das fotografias produzidas por Nadar. Dirigido por Sybil H. Mair, o curta britânico, produzido em 2017, estreou a atriz Karidja Touré no papel de Selika.


A possibilidade de acessarmos fotografias como as de Selika traz a lume outros registros históricos, visualidades dignificantes e positivas que emergem em uma época em que, de modo contrário, muitas mulheres negras foram desnudadas, expostas e retratadas na Europa em exposições coloniais e universais, feiras etnográficas e zoos humanos para fins de entretenimento ou em fotografias antropológicas em museus, cujas motivações, inspiradas em teorias racistas, visavam divulgar a falsa ideia de inferioridade de povos não europeus e não brancos . Os retratos de Selika rompem com essa padronização inferiorizante de corpos negros contribuindo para uma outra biblioteca visual, um outro arquivo de imagens que, por tanto tempo, estiveram invisíveis aos nossos olhos e distantes da nossa memória coletiva.



*Cibele Barbosa é pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco, professora do Profsocio e coordenadora do projeto imageH.

 

Para citar esse texto:

BARBOSA, Cibele. Os misteriosos retratos de Selika Laszewski. ImageH, 2021. Disponível em: https://imagehmultihlab.wixsite.com/humanidades

 

Para saber mais:



留言


bottom of page