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Que imagem vem à sua cabeça?

Algumas vezes pode ficar até mais fácil explicar algo a partir de uma referência visual. Em defesa do uso dos quadrinhos como linguagem científica e educativa, falamos aqui sobre a obra DESAPLANAR, de Nick Sousanis.


Por Viviane Toraci*


Capa do livro DESAPLANAR, de Nick Sousanis. Editora Veneta.

Meus textos aqui no imageH trazem as minhas reflexões em relação às Humanidades Digitais e como, a partir de seus princípios, podemos imaginar outras formas de produzir, acessar e compartilhar conhecimentos. Na verdade, o termo “Humanidades Digitais” é até novo para mim, mas as inquietações me acompanham desde o meu mestrado em comunicação nos idos de 2004 na Universidade Federal de Pernambuco, quando discuti o conceito de interatividade na internet. Algumas ideias voltam à tona agora a partir da leitura da obra DESAPLANAR, de Nick Sousanis (2017), e eu vou dizer para vocês por que.


Na minha dissertação, ao analisar a relação tempo X espaço das mídias e pensando as características das mídias eletrônicas (rádio e tv), impressas (jornais e revistas) e hipertextuais (sites web), cheguei à ideia da TRIDIMENSIONALIDADE advinda da linguagem por links. Ou seja, antes tínhamos mídias que não nos permitiam um aprofundamento no conteúdo transmitido usando o próprio meio em que estava sendo veiculado (por exemplo, se eu quisesse saber mais sobre um fato informado no telejornal não adiantava “perguntar mais” para a televisão. Eu teria que consultar outras fontes). O sentido da tridimensionalidade trazida pela conexão em rede da internet foi o que então nos possibilitou usufruir de uma terceira dimensão: a profundidade. Agora eu posso “perguntar mais” ao meio internet e ele responderá, levando-me às páginas que possam trazer outros detalhes sobre o assunto do meu interesse. É como se cada link fosse uma nova camada de informações que vai penetrando cada vez mais fundo.


Agora pára e pensa comigo: quando destaquei a palavra tridimensionalidade, veio alguma imagem à sua cabeça? Talvez os aficionados por ficção científica tenham reproduzido mentalmente cenas de naves espaciais adentrando as camadas do universo na velocidade da luz (eu adoro Star Wars e lembrei dessa referência). Outros podem ter imaginado um livro bem grosso, com uma lombada que se destaca na prateleira e nos faz pensar “este livro deve ser muito profundo!”. Adentrar um universo vasto e potencialmente infinito costuma ser a sensação que temos com a atual profusão de informações disponíveis na internet, algo associado a referências imagéticas como o rizoma, conexões de um cérebro, realidades paralelas.



Fonte: Sousanis, Nick. Desaplanar. São Paulo: Veneta, 2017.

Pois é, relacionar ideias abstratas a imagens, muitas vezes, nos ajuda a compreender os seus sentidos. E ainda mais: pode nos fazer perceber e compreender o que não está dito como texto escrito (alfabético) e que pode ser representado em outra linguagem, como a visual. Essa afirmação pode até parecer óbvia, e eu adoro começar com constatações óbvias. Crianças, artistas, designers, arquitetos, publicitários — todos trabalham com a força das imagens para comunicar ideias. Mas, e os cientistas? Como está o uso de outras linguagens além do texto alfabético no campo acadêmico-científico? E na transposição dos conhecimentos científicos para o campo da recontextualização escolar, como utilizamos a linguagem visual nos processos de ensino e aprendizagem?


Essa foi a provocação feita por Nick Sousanis, quadrinista norte-americano que escreveu a primeira tese de doutorado em formato gráfico da Universidade de Columbia (EUA), vencedora do American Publishers Awards. Em 2015 ele publicou sua tese em quadrinhos pela Harvard University Press com o título original em inglês Unflattening, e, em 2017, a Veneta Editora publicou-a no Brasil com o título traduzido Desaplanar. Em entrevista concedida à Revista Cult, quando de sua visita ao país para lançamento da obra e participação nas Jornadas Internacionais de Histórias em Quadrinhos da USP, realizada de 22 a 25 de agosto daquele ano, em São Paulo, Nick Sousanis respondeu à seguinte pergunta: “por que os quadrinhos facilitam os processos de educação e de transmissão de ideias?”.


Quando eu estava na academia, notei que a profundidade das ideias discutidas ali tende a permanecer presa entre os muros da universidade. Essas ideias dificilmente atingem o grande público – e eu sentia fortemente que as maiores barreiras que cercam a academia e mantêm as pessoas de fora são de linguagem, e não de inteligência. Com os quadrinhos, é possível juntar e transmitir informações complexas de forma sofisticada – sem que isso as torne idiotas ou bobas -, o que traz mais pessoas para debates que antes estavam confinados às salas de aula.

Promover debates a partir da leitura de imagens. Transmitir ideias com uso dos quadrinhos. Falar de ciências humanas a partir de uma fotografia. Enfim, pensar a relação entre cultura visual e ensino de humanidades na escola (ops, é o slogan do imageH). Permitir acessar outras formas de perceber o mundo à sua volta, transmitir sentimentos, compartilhar visões concretas e imaginadas a partir das várias linguagens.



Fonte: Sousanis, Nick. Desaplanar. São Paulo: Veneta, 2017.

A proposta trazida por Desaplanar demonstra a potência dos quadrinhos também como linguagem científica de grande força educativa. Utilizando referências das ciências, filosofia, arte, literatura e mitologia, a obra reúne argumentos dos vários campos de saberes humanos para demonstrar que a ciência pode ser comunicada também por imagens.



Fonte: Sousanis, Nick. Desaplanar. São Paulo: Veneta, 2017.

A defesa realizada por Sousanis aproxima-se dos princípios defendidos pelos cientistas do campo das Humanidades Digitais, os quais propõem formas de produzir, acessar e compartilhar conhecimentos, reunindo profissionais de diferentes áreas, para gerar linguagens digitais baseadas em bancos de dados, material audiovisual, cartografias… enfim, hipertextos disponíveis online capazes de nos fazer adentrar em toda essa profundidade. O que precisamos, então, é estimular a capacidade de produção e interpretação dessas outras linguagens além do texto escrito. E podemos começar na escola, propondo, com mais intensidade, atividades que envolvam fotografias, desenhos, quadrinhos, colagens, vídeos, mapas, gráficos e todo um universo de referências visuais capazes de ampliar nossa visão e compreensão do mundo.


*Viviane Toraci é pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco, professora do ProfSocio e coordenadora do multiHlab - Laboratório Multisuários em Humanidades.


 

Para citar esse texto:


TORACI, Viviane. Que imagem vem à sua cabeça?. ImageH, 2021. Disponível em: https://imagehmultihlab.wixsite.com/humanidades.

 

Para saber mais:


Sousanis, Nick. Desaplanar. São Paulo: Veneta, 2017.

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