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Retratos da precarização do trabalho: um olhar inquieto para o jovem trabalhador

Na sociedade da uberização, vídeos e fotografias nas redes sociais são ferramentas importantes para a reflexão crítica acerca das precárias relações de trabalho que recaem sobre os jovens no mundo contemporâneo.


Por Cristiane Arruda*



As fotos acima são prints extraídos de um pequeno vídeo compartilhado em uma página do Instagram. Nela, postam-se notícias, imagens, memes relacionados ao cotidiano dos bairros da cidade do Recife e vários outros conteúdos correlatos.


O sorriso do rapaz, o seu olhar, talvez alheio ao que acontece em sua própria vida, chama a atenção, perturba, instiga, faz um convite a pensar sobre a realidade de tantos jovens que, para sobreviver, submetem-se a trabalhos precarizados. Os aplicativos de entrega de alimentos são um exemplo dessa nova forma de trabalho.


Os comentários nas redes sobre essa postagem eram de deboche: risos pela luta de enfrentar o alagamento para a realização da entrega e crítica em relação aos alagamentos dos bairros da cidade de Recife.


É verdade que alagamentos também são um problema sério, mas o que intriga é o fato de haver poucos comentários que mostrem uma sensibilização a respeito da luta do rapaz, do perigo que enfrenta ou da falta de proteção que esse tipo de trabalho submete as pessoas.


Problematizar e desnaturalizar o trabalho precário a partir dessa imagem, tão próxima da realidade da cidade e dos jovens trabalhadores, é um caminho para aulas de Sociologia e para iniciar o desenvolvimento do tema da precarização do trabalho a partir de um olhar sociológico.

Levar esta imagem para a sala de aula é uma maneira de desenvolvermos um olhar de sensibilidade, é não banalizar o que muitos jovens estão vivendo como uma dura realidade nos dias de hoje, numa sociedade inundada de falta de empatia, de desigualdade social e de trabalhos flexibilizados e precarizados, não formais e até de desemprego.


Hoje, o trabalho cotidiano em busca do sustento passou por mudanças significativas e o mundo do trabalho está mais confuso, diverso e desigual. Essa é uma realidade dos estudantes, especialmente da Educação de Jovens e Adultos (EJA).


O que se observa é a reprodução do discurso do “se virar” para conseguir “ganhar a vida”, e ajudar no orçamento da casa. Citando Corrochano:


(...) novas formas de precarização das ocupações avançam, tal como a terceirização, e persistem desigualdades na qualidade dos postos de trabalho, nos salários e nas jornadas. Considerando a realidade das jovens gerações dos anos 1990 e início dos anos 2000 essa população foi atingida de maneira mais intensa pela crise econômica e pela desestruturação do mercado de trabalho.

Nas imagens lá de cima, é possível problematizarmos o discurso do jovem empreendedor que, de modo geral, camufla a exploração do trabalhador, na medida em que lhe atribui a responsabilidade individual pela produtividade e pelas condições de trabalho, retirando-lhes garantias e direitos.

A escola, em suas suas aulas de sociologia, oportuniza e estimula o olhar crítico e reflexivo sobre uma imagem que, para muitos, poderia apenas suscitar o riso nervoso da tragédia urbana diária mas que, ao ser problematizada, chama atenção para uma reflexão acerca das precárias relações de trabalho contemporâneas e seus discursos legitimadores. Assim, a imagem se torna um grande recurso didático para uma análise mais aprofundada e detalhada do mundo.


Desenvolver no educando a capacidade de interpretação e leitura de imagem, em um mundo bombardeado pela dimensão visual, é estimular a capacidade de leitura da complexidade das relações sociais, ao passo que permite ao sujeito não só consumir a imagem, mas desenvolver um olhar ativo, tornando-se um agente mais reflexivo e crítico da sociedade.


*Cristiane Nóbrega Arruda é professora da Escola de Referência em Ensino Médio Amaury de Medeiros-PE e discente do Mestrado Profissional de Sociologia em Rede Nacional (Profsocio/Fundaj)


 

Para citar esse texto:

ARRUDA, Cristiane Nóbrega. Retratos da precarização do trabalho: um olhar inquieto para o jovem pesquisador. ImageH,2021. Disponível em: https://imagehmultihlab.wixsite.com/humanidades


Para saber mais:


BENTES, Ivana. O copyright da miséria e os discursos sobre a exclusão. Lugar Comum, nº17,pp.205-228. Disponível em:

https://www.academia.edu/2444673/O_copyright_da_mis%C3%A9ria_e_os_discursos_sobre_a_exclus%C3%A3o


CORROCHANO, Maria Carla. Jovens no Ensino Médio: Qual o lugar do trabalho. In: DAYRELL, J. CARRANO, P. MAIA, C. L. Juventude e ensino médio. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. pp. 205-228. Disponível em: <http://educacaointegral.org.br/wp-content/uploads/2015/01/livrocompleto_juventude-e-ensino-medio_2014.pdf


FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso.(L’Ordre du discours, Leçon inaugurale au Collège de France prononcée le 2 décembre 1970, Éditions Gallimard, Paris, 1971.) Tradução de Edmundo Cordeiro com a ajuda para a parte inicial do António Bento. Disponível em: http://www2.eca.usp.br/Ciencias.Linguagem/Foucault_ordemdodiscurso.pdf




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